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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Artigo: A renúncia do Papa Bento XVI



Dom Francisco de Assis Dantas de Lucena
Bispo Diocesano de Guarabira
Secretário da CNBB - Regional Nordeste 2



A notícia da decisão do Papa XVI, no dia 11 de fevereiro de 2013, dia da Festa de Nossa senhora de Lourdes, de renunciar ao Pontificado que recebeu como Bispo de Roma, sucessor de Pedro e Pastor da Igreja de Cristo, com efeito, a partir de 28 de fevereiro, uma data que ficará gravada na história da Igreja, abrindo caminho à eleição de um novo Papa, surpreendeu, abalou o mundo.

A maioria dentro e fora da Igreja e do Vaticano, ainda tenta entender o seu alcance e o seu significado. Isto tem monopolizado os meios de comunicação social, já que não tiveram nenhum conhecimento prévio da decisão do Papa. O anúncio foi feito pelo próprio Papa, de modo sereno e humilde. Desde o início do papado, apresentou-se como “um humilde trabalhador na vinha do Senhor”, sempre cuidadoso para usar com sabedoria as forças físicas, que não eram mais vigorosas, a fim de realizar do melhor modo possível o trabalho imenso que lhe foi confiado, com uma idade avançada. A surpresa depressa ganhou admiração pela corajosa lucidez do Papa Bento XVI em reconhecer as limitações de suas forças para exercer adequadamente o ministério a serviço da Igreja e para o bem de toda a humanidade.

Demos graças a Deus por este extraordinário Papa, corajoso em proclamar a verdade e a união entre fé e razão. O seu zelo apostólico nos revelou uma fé forte e constante, se fez tudo para todos, tanto assim, que tem recebido amáveis manifestações de apreço do povo e de autoridades de todo o mundo. A sua vida, os escritos e, agora, a sua renúncia inscrevem-se luminosamente na história da Igreja e do mundo. Com este gesto Bento XVI, “Servo dos servos de Deus”, ensina que todo o poder na Igreja é serviço. O seu estilo pessoal, intelectual e simples comunicou acessivelmente o seu pensamento, afrontando os problemas e defendendo a paz.

A sua missão futura, diz o Papa: “Quero servir de todo coração, com uma vida consagrada à oração, à santa Igreja de Deus”. Agora vemos que em abril de 2009, quando Bento XVI visitou o túmulo de Celestino V, um dos Papas que renunciou ao trono de Pedro, não só rezou, mas colocou gentilmente um pálio na urna de vidro de Celestino. Ele, com seu jeito discreto e prudente, já tinha falado da possibilidade de renunciar, no livro-entrevista “Luz do Mundo” (cf. p. 48), de 2010. Ao se referir sobre a vinda do Papa à Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro disse: “o Papa irá, eu ou meu sucessor”. Bento XVI não nos abandona. Com segurança, ele convida a Igreja a se confiar ao Espírito Santo a um novo sucessor de Pedro.

Durante a Sé vacante e após a eleição do novo Papa, Ratzinger continuará Bento XVI. Ele não exercerá mais a função de Bispo de Roma. Sabendo que a aceitação do ofício de sucessor de São Pedro não possui natureza sacramental, mas um serviço supremo de jurisdição. Ao renunciar, deixa de ser Papa. Não haverá dois Papas. Após a renúncia de Bento XVI e a eleição do povo Papa, não haverá um no cargo e outro “aposentado”. Bento XVI não poderá exercer prerrogativas, como a da infalibilidade, que são intimamente ligadas ao poder de jurisdição pontifício. “Mas toda vez que nos referimos ao “magistério” de Ratzinger, devemos nos reportar ao Papa bento XVI”. Muitas questões no dia a dia ainda demandarão uma solução apropriada. Não existe dúvida sobre o direito de um Papa renunciar. O atual Código de Direito Canônico prevê a possibilidade de renúncia do Papa (c. 332 §2). Nos artigos 1º e 3º da Constituição Apostólica Universi Dominicis Gregis, de 1996, também prevê que a vacância da Sé Apostólica seja determinada não só pela morte do Papa, mas também por sua renúncia válida.

Na História de renúncias papais, o caso mais conhecido é o de São Celestino V, em 1294, que se julgou oportuno renunciar, por não se sentir à altura do cargo que assumiria. Despojou-se da insígnia papal e das roupas, e tomou o hábito de eremita. O último caso registrado foi o de Gregório XII, em 1415, para recompor o Grande Cisma do Ocidente. Este foi reintegrado ao Sacro Colégio com o título de Cardeal-bispo do Porto (Córsega) e com o primeiro posto após Papa. Abandonou o nome e o hábito pontifício e retornou o nome de Cardeal Ângelo Correr. Faleceu em 1417.

O Papa pode, sim, renunciar. A renúncia de Bento XVI ao Pontificado aparece como um ato de legítimo do ponto de vista teológico e canônico, mas, no plano histórico, assusta pela descontinuidade com a tradição e a prática da Igreja nestes últimos séculos. Há quem veja o que poderiam ser as suas consequências, por se tratar de um ato não simplesmente “inovador”, mas “revolucionário”. Para muitos a renúncia do Papa Bento XVI não é comparada, nem com Celestino V nem com Gregório XII. Estes renunciaram em situações excepcionais. Já a razão oficial, dada pelo próprio Bento XVI, é mais do que exceção, exprime a normalidade. “No mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade”, afirmou o Papa.

O gesto de Bento XVI não pode ser avaliado de acordo com um critério puramente humano, como se a Igreja fosse uma multinacional guiada em termos de pura eficiência prescindindo de qualquer influxo sobrenatural. A Igreja Católica fundada por Cristo e guiada pelo Espírito Santo vencerá, como já venceu há mais de 2.000 anos de história, todas as dificuldades, adversidades e perseguições romanas contra ela. Sem dúvida, o que dirá e fará Bento XVI, ou o Cardeal Ratzinger, nos próximos dias? Ele continuará sua missão evangelizadora e de amor pela Igreja numa vida de oração no Mosteiro que existe dentro do Vaticano.

No mundo atual, onde pessoas querem se perpetuar no poder, alguém que tem esse direito vitalício abre mão dele por pura humildade e pensando no bem da Igreja e do povo de Deus. O Papa nos dá esse exemplo. Sentindo ele mesmo o peso da idade e a natural diminuição de suas forças físicas, “bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade”, renunciou ao ministério de Bispo de Roma, sucessor do Apóstolo Pedro.

Somos imensamente gratos ao Papa Bento XVI, e o Espírito Santo continuará guiando a barca de Pedro nas novas tempestades que inevitavelmente o esperam.


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